sábado, 26 de janeiro de 2008

TIPOS DE GNOSIS

Visando um melhor desenvolvimento desta palestra referente ao Corpus Hermeticum vamos, inicialmente, mencionar os principais tipos de gnosis. Na realidade estamos visando a gnosis ligada à criação do mundo dialético, ao plano abaixo da Tríade Superior.

Este estudo visa analisar o que motivou a criação do mundo objetivo, o mundo em que o ser humano vive.

Na realidade são três as razões atribuídas à criação do mundo material, cujo estudo compreende três tipos de Gnosis. Começaremos pela ordem mais conhecida no mundo ocidental, a impropriamente chamada de Gnosis Hebraica, ou Gnosis Bíblica.

Segundo a Bíblia[1] Deus criou o homem sem uma finalidade explicável. No Gênesis não há referência ao porquê Deus criou o homem, simplesmente diz que o homem foi criado e colocado num paraíso, num mundo maravilhoso, num lugar bem especial mencionado pelo nome de Jardim do Éden.

Com a nova visão da humanidade a respeito do Universo, desde que a concepção das pessoas mudou em decorrência da terra haver perdido o lugar soberano no Universo e sido considerado apenas como um diminuto e inexpressivo ponto dentro deste, surgiu a primeira indagação sobre o que significa o Éden como lugar. Os mais ferrenhos religiosos continuaram mantendo-se rígidos na concepção, na admissão de um lugar neste mundo terreno que outrora existiu. Outros, porém, colocaram o Éden como sendo o próprio universo material; e outros colocaram-no como um plano a nível astral.

Vale salientar que o sentido do Éden, mesmo se colocado como o próprio universo criado ainda assim os mesmos questionamentos persistem a respeito do porquê de um lugar, do porque da existência dos espíritos, e ainda mais do porque eles terem que se revestirem de uma estrutura material - o corpo - algo perecível e ligado a sofrimentos. Ainda mais difícil é o entendimento do porque dentro de um universo tão amplo foi exatamente a terra, ponto insignificante dentro do cosmo, o escolhido para ser o palco das vivências do homem criado à imagem e semelhança do próprio Deus. Por qual razão a terra, um insignificante lugar, algo inexpressivo dentro do Cosmos e surge foi escolhido para ser o Paraíso?

Em torno desses questionamentos desenvolveu-se um tipo de gnosis, que, na realidade, constitui-se mais uma teologia dogmática que propriamente uma forma de gnosis. Não é uma gnosis, pois gnosis é conhecimento e a aceitação sem a sabedoria confere a qualidade de dogma. Para várias doutrinas a impossibilidade de explicar as razões, e mesmo o sentido da criação, fez com que se estabelecessem dogmas, impedindo-se com isso as indagações do onde e do porque da existência dos espíritos.

Indaga-se do porquê de haver sido criado um Éden, algo bem diminuto diante de um Universo incomensuravelmente grande. Para que um inconcebivelmente grande Universo ante um Paraíso tão diminuto e limitado? Para que as estrelas, para que os astros? Apenas para ter o Éden céu estrelado? Para deleite dos olhos dos seres viventes no Éden? Se assim fosse, indaga-se: Até quando o homem sentir-se-ia feliz vivendo num lugar limitado, vendo as estrelas sem poder alcançá-las? Mesmo que se diga que o Jardim do Éden era um ponto inicial de onde mais tarde o homem poderia galgar todo o Universo, ainda assim porque criar o homem e um lugar para ele viver... Qual a razão, qual o propósito.

Indagações como estas se seguem numa sucessão ilimitada. Essa Gnosis é a aceita pela cultura Judaico Cristã, melhor dizer pelo Cristianismo Ortodoxo[2] dominante desde o I Concilio de Nicéia do qual derivou a quase totalidade das religiões cristãs da atualidade.

Basicamente esta gnosis diz o seguinte: “O mundo material foi feito com um propósito desconhecido. Foi feito como algo bom, mas homem pela desobediência induzida por satanás transformou-o num lugar ruim”.

A não aceitação desta tese, a insustentabilidade racional desta hipótese despertou uma segunda maneira de pensar, e assim, em contraposição a esta gnosis temos uma segunda, conhecida como Gnosis de Mani[3]. A doutrina estabelecida por Mani, conhecida pelo nome de Maniqueísmo, tem como base um rigoroso dualismo. Esta doutrina foi fortemente influenciada pelo Mazdeísmo que via o mundo como uma dualidade, sob o domínio de dois poderes opostos. Uma oposição entre o mal e o Bem, entre a treva e a Luz. Segundo esse sistema, o mundo material foi criado pelo poder da treva que aprisionou o espírito criado pelo Poder da Luz.

Segundo a Gnosis de Mani, a terra não foi feita por Deus como um lugar, um Paraíso, e sim algo criado pela malignidade. Considera o mundo dialético como algo inerente à malignidade e a terra um lugar onde o espírito confinado a matéria maligna luta pela libertação. Em síntese, segundo a Gnosis de Mani a terra foi criada pelo demiurgo[4], uma expressão da malignidade, conseqüentemente tudo o que diga respeito ao mundo material essencialmente deve ser considerado como algo nefasto, maligno, pecaminoso, contra o que o espreito tem que lutar permanentemente até que consiga se libertar do jugo da matéria, do poder do demiurgo, da força satânica.

Muitas doutrinas abraçaram esta gnosis, entre elas o Maniqueísmo que não admitiam ser possível que a natureza maligna e corrompida predominante na Terra pudesse haver provindo de Deus. Assim afirmavam que toda matéria era é criação de Lúcifer.

Baseado nas concepções maniqueístas, os Cátaros e Albigenses abominavam tudo referente à matéria, tolerando apenas, como uma contingência, um mínimo de coisas materiais indispensáveis à vida na Terra, por ser a matéria produto de Lúcifer. Embora católicos de inicio, os Cátaros foram abominados e destruídos pelo Catolicismo, entre outras razões, por não aceitarem nem mesmo a Eucaristia, desde que a hóstia e o vinho eram materiais e como tais Jesus não poderia estar presente na hóstia, desde que esta sendo material era demoníaca. Isto e outras formas de vida atraíram tremendo ódio das autoridades romanas que acabaram liquidando com os Cátaros de formas deveras cruéis.

Segundo a “Gnosis de Mani Deus criou os espíritos puros, que depois vieram a ser chamado de “O Homem Celeste”. De inicio este nada tinha a ver com o mundo material o qual fora paralelamente criado pelo poder das trevas. O mundo material não foi criado como um lugar para o homem celeste habitá-lo, embora ele acabasse por vir a ser nele aprisionado pela matéria.

Também esta gnosis não explica quanto à finalidade dos espíritos haverem sido criados. Afirmam que eles foram criados e envolvidos dentro da situação que vivenciamos na Terra, mas nada dizem quanto à finalidade deles virem a existir individualizadamente. Negam que eles foram criados e vieram habitar um Éden na Terra ou em qualquer outro ponto do Universo. Apenas a gnosis de Mani diz que os espíritos foram atraídos pela criação luciferina. O Homem Celeste viu o mundo material, e viu-se ele próprio como um ponto de convergência de todas as coisas, e como tivesse visto a sua própria figura na água [5] do mundo material, amou-a e quis conviver com ela. Assim desenvolveu-se o estado em que a natureza da matéria envolveu o Homem Celeste e ele veio habitar na Terra, não como um ser liberto, mas sim como prisioneiro e de onde vem procurando se libertar.

Segundo a Gnosis de Mani, o espírito, criação divina, tornou-se prisioneiro do no mundo satânico e a Gnosis cabe trazê-lo de volta à condição primitiva.

A terceira é a Gnosis de Hermes[6]. Segundo esta de início na Criação manifestou-se o Pai, por isto considerado a primeira Luz da Criação. Nela estavam contidas duas polaridades opostas, Kristos (princípio masculino) e Sophia (princípio feminino). Em dado momento, da Primeira Luz emergiu uma Segunda Luz que, por sua vez ao polarizar-se surgiu uma Terceira. Estava, assim, constituída a Tríade Superior: Pai - Kristos - Sophia. Esta é a mesma Tríade Superior representada na Cabala na “Árvore da Vida” por Kether - Hokhmah - Binah.

Por haver contido as polaridades masculina e feminina, a Primeira Luz é considerada simbolicamente por algumas doutrinas como um Andrógino. Pelo desdobramento dessa natureza andrógina se diferenciaram as polaridades Masculina e Feminina, representadas respectivamente pelos Princípios: Kristos (Principio Fogo) e Sophia (Princípio Água).

Antes da polarização Kristos e Sophia eram um só principio integrante do Pai, por esta razão Kristos e Sophia são considerados simbolicamente como irmãos e esposos.

Em dado momento Sophia desejou conhecer, viu-se como sendo o próprio Pai e então quis certificar-se disto. Assim avistou o seu próprio reflexo o que a fez acreditar ser o próprio Pai. Direcionou-se para lá e quando havia “descido” evidenciou o seu engano, não era o Pai, mas sim o seu reflexo. Ao ver o equívoco cometido pela inveja, quis voltar, e no que foi atendida pelo seu irmão Kristos que veio tentar resgatar sua irmã Sophia.

Exatamente, na queda de Sophia gerou os espíritos e também o mundo material, o mundo dos espelhos, o mundo das ilusões.

Não existe apenas uma escola de Gnosis Hermética, e algumas que diferem entre si por alguma maneira de interpretação quando à queda de Sophia. Uma das principais linhas de interpretação afirma que a própria queda de Sophia gerou o mundo material, sendo assim a criação da matéria seria algo inerente à queda. Por outro lado existem os que dizem que a criação do mundo material foi feita pelo Pai afim de que Kristos pudesse vir a resgatar Sophia. Em outras palavras, um local, um meio, a partir de onde o resgate pudesse vir a ser feito.

Segundo Gnosis de Hermes o mundo não foi criado à margem da criação do espírito do Homem Celeste, não como um simples Éden, mas como um meio de amparo à Sophia, um lugar aonde ela viesse a descobrir que todas as coisas que ela crera ser o Pai na realidade eram apenas espelhos, miragens do próprio Pai.

Ainda nesse nível não consta uma explicação para o porquê da Criação, nada diz a respeito do propósito ligado à criação. Isto faz com que existam tantas escolas que visam chegar até esta compreensão. Neste caso há um outro aspecto da Gnosis de Hermes a ser considerada e que se baseia no Principio do Mentalismo, que diz inexistir como realidade o mundo material, o mundo objetivo, que tudo é Mente, que a realidade material inexiste fora do mundo relativo. Sendo assim tudo isto é apenas uma manifestação da natureza intrínseca do Poder Superior; valendo, então, a fim de justificar o porquê da criação, aquela afirmativa expressa na Cabala: “Deus criou o universo e os espíritos porque Deus quis ver a Face de Deus...”. As coisas criadas são os espelhos nos quais o próprio Poder, manifestando-se como espíritos, vê a si mesmo. Segundo essa corrente gnóstica:


Nenhum comentário: